segunda-feira, 22 de abril de 2013

O SILÊNCIO


E só depois da terceira noite
no recesso das nuvens
ao abrigo de torrentes e burburinhos,
principiareis a ouvir o silêncio.
Não o rumor de insetos contra os vidros do ar,
nem o dos talos da planta crescendo.
Nem mesmo a bulha mínima
de rocio a escorrer em pétalas.
Mas leve aragem da mudez que precede
ao balbucio do pensamento.
Obscura nostalgia de acorde
em fios tensos de violino
antes de feri-los o arco.
Um apenas prenúncio de passos
de amorosos passos divinos
caminhando no tempo sobre impalpáveis areias
e musgos tácitos
e brancas pedras votivas.
Um como fugir do sangue
à hora da almejada entrevista.
O abandono do corpo -- não à atração
                                             telúrica --
à transcendência da natureza.
E o coração da criatura pulsando uníssono
de encontro ao vivo coração do Criador.

Henriqueta Lisboa, A casa de pedra, poemas escolhidos. Ed. Ática, 1979, p.62    

domingo, 14 de abril de 2013

37.

E um macio de sombra pela frente
me leva a meditar no irrevelado
que há no amor e nas coisas e no quanto
o que não se revela é necessário.
Pois só o que é evidente é que se extingue,
por força não do excesso, mas do uso,
do uso que me informa e ao meu hábito,
hábito que empobrece o que confundo,
pois pode o amor tranqüilo uma aparência
ganhar de tédio, enquanto que em verdade
tanto mais calmo quanto mais profundo
é o rio ininterrupto no seu curso,
todo claro por fora, mas por dentro
cada vez mais distante e mais obscuro.

Marly de Oliveira, Obra poética reunida, Massao Ohno Editor, 1989, p.115